O retrofit pode implicar em uma alteração drástica do edifício, modificando a sua utilização, destinação e/ou aspectos físicos. Na hipótese em que o empreendedor adquire o terreno e todas as acessões – prédios inacabados ou abandonados, frutos de licitação ou não – com a intenção de promover um projeto de reforma com a comercialização de suas unidades autônomas antes ou durante a reforma do imóvel, estaríamos diante de uma incorporação imobiliária?
A Lei 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, em seu parágrafo único do art. 28, conceitua a incorporação imobiliária como a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.
A referida lei define ainda o conceito de incorporador, em seu art. 29:
Art. 29. considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas. (grifos nossos)
Portanto, pela literalidade dos artigos mencionados, a resposta para a pergunta acima formulada seria negativa, visto que já existe uma edificação pronta, embora diferente daquela que será prometida ao adquirente da unidade após a execução da reforma.
Entretanto, devemos levar em consideração que a lei 4.591 é de 1964 e, portanto, não havia ainda o conhecimento sobre essa modalidade de negócio. Além disso, se analisarmos a dinâmica e o fato do empreendimento ser totalmente financiado com recursos da venda prévia, mediante oferta pública das unidades que serão reformadas, têm-se o enquadramento das condições previstas nos artigos 28 e 29 da dita lei de incorporações, excetuando-se o fato de que as unidades existem, são individualizadas e, na sua maioria, já possuem matrícula própria.
Mais do que promover a comercialização das unidades para captação dos recursos para o projeto de reforma, o empreendedor, ao caracterizar o projeto de reforma como uma incorporação imobiliária, poderá optar pelo regime de tributação especial ofertado pelo instituto do Patrimônio de Afetação, previsto na lei 10.931.
O Regime Especial Tributário (RET) é opcional e permite ao incorporador realizar o pagamento de tributos de forma unificada. Ao optar por este regime, o incorporador fará o recolhimento do IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas), da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS/PASEP (Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) em uma alíquota única de 4% sobre a receita mensal da incorporação afetada, isto é, sobre as receitas financeiras provenientes das vendas das unidades e das receitas e variações monetárias resultante destas operações.
Portanto, para que o incorporador se submeta ao regime jurídico das incorporações e ao regime especial tributário concedido através do Patrimônio de Afetação, a fim de promover a comercialização das unidades ao público antes e/ou durante a execução do projeto de reforma do edifício, este deverá promover o arquivamento no Registro de Imóveis competente do memorial de incorporação, conforme disposto no art. 32 da lei 4.591/64, bem como protocolar o pedido de instituição do Patrimônio de afetação, para posterior enquadramento tributário junto ao fisco.
Todavia, é sabido que há episódios de recusas de registro, negativas de aplicação do regime fiscal especial ou negativa de reconhecimento da afetação patrimonial pelo Judiciário, pelo registrador e pelo fisco quando se trata de projetos de projeto de reforma.
Ora, de nada adianta todo o esforço das Prefeituras Municipais de todo o Brasil na concessão de benefícios para atrair investidores dispostos a custear um projeto de reforma, que já possui diversos percalços e dificuldades em seu desenvolvimento por razões técnicas e de aprovação de projeto e licenciamento, se os demais entes públicos não estão alinhados e tratam de dificultar ainda mais essa modalidade.
Vamos a um caso real: a construtora Cyrela, empresa com uma atuação notória no país, adquiriu o Edifício Hilton Santos, no Rio de Janeiro, em 2018, com o objetivo de promover um projeto de reforma (retrofit), submetendo-o ao regime da incorporação imobiliária e do Patrimônio de Afetação.
Antiga sede do Clube de Regatas do Flamengo, em 1944, o então dirigente do clube – Hilton Santos – idealizou a construção de um prédio – que se chamaria Palácio do Flamengo – de 24 andares, que seria inaugurado 9 anos depois.
Em 2012, o prédio de 24 andares e 148 apartamentos foi arrendado pelo Flamengo por 50 anos à Rex Hotel, imobiliária do grupo EBX, do empresário Eike Batista. O plano era transformá-lo num moderno hotel de cinco estrelas com 454 quartos, em um investimento de R$ 100 milhões. A inauguração aconteceria no fim de 2015, se a crise nas empresas do empresário não impedisse a saída do projeto do papel. Por conta disso, o edifício, ficou tão abandonado que em abril de 2015 chegou a ser invadido por um grupo de 100 pessoas. Em 2017, reportagens noticiavam que o prédio estava “há cinco anos desativado” e que tinha virado ocupação de sem-teto (a maioria, famílias que foram expulsas de um terreno da Cedae na Via Binário, na Zona Portuária do Rio). A desocupação do imóvel só aconteceu após liminar da Justiça pedindo a reintegração de posse. Esta mesma liminar devolveu o edifício ao clube, que logo abriu uma licitação para um novo arrendamento do local. (fonte: wikipedia)
A Cyrela, vencedora da licitação, idealizou e aprovou o projeto de reforma do edifício, que passaria a ser uma edificação residencial, composta por 148 unidades residenciais e 216 (duzentos e dezesseis) vagas para veículos de passeio, batizado de “RIO BY YOO”, em que tive a honra de participar de todo o ciclo de incorporação, lançamento, vendas e entrega deste belíssimo projeto.
No mesmo ano da aquisição, a empresa procedeu com o registro do memorial de incorporação perante o 3º Registro de Imóveis do Rio de Janeiro e optou pelo Regime de Tributação Especial do Patrimônio de Afetação.
Ocorre que a Receita Federal negou o pedido de enquadramento do empreendimento pelo regime especial, sob a alegação de que o benefício valeria apenas para construções novas e não para projetos de reforma.
A Cyrela teve que recorrer da decisão na Justiça Federal, que concedeu a autorização para recolher os tributos referentes ao empreendimento com base no regime especial de tributação aplicado às incorporações imobiliárias.
Na sentença, o juiz Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo, considerou que a discussão ultrapassa a questão tributária e que deve-se levar em conta aspectos paisagísticos e de preservação do meio ambiente. (Sentença prolatada pelo Juízo Federal da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro nos autos do processo nº 5001108-21.2022.4.03.6100 em 28/09/2022)
Trata-se de um importante precedente para o mercado que tenta, a toda maneira, se adequar as novas realidades sociais. O retrofit é um importante mecanismo que se mostra cada vez mais necessário para reverter o processo de esvaziamento e degradação de áreas centrais de todo país e, por este motivo, é o protagonista nos programas de revitalização editados pelas Prefeituras Municipais, como por exemplo o Reviver Centro no Rio de Janeiro e o Requalifica Centro em São Paulo.
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